Livremente inspirada na canção Herança nativa

A manhã é fria. Enquanto minha mente fica inquieta, vou aquecendo minhas mãos com goles do meu chimarrão. Alguém me estende a cuia, tenta puxar um papo, mas estou voando muito longe daqui. Com meus olhos de quem viu um pouco de tudo nesse mundo, brilha no castanho da íris cores de saudade de onde me criei. Eu trago em minhas lembranças o verde de matas e ares de cascatas que há muito não vejo mais. Nasci no frio do sul, ouvindo toques de gaitas e violões, chamando meus amigos de “tu”, falando com sotaque carregado e um português muito fiel a gramática exceto ‘pelos plural’ que meu povo interiorano muitas vezes ignora. Resolvi ser cidadão do mundo e hoje quem me vê pedindo “a cup of cappuccino, please” na Starbucks ali da esquina nem imagina o quanto sinto saudades do meu chão. A relva orvalhada, a poeira da estrada que me levava pro sítio. Faz tempo que não sinto calor e pureza quando alguém me cumprimenta. O frio daqui não é desculpa; lá no meu lar já vi nevar e as pessoas estavam sorrindo pra turistas desconhecidos.

Os momentos de minha infância não parecem envelhecer. Trago tudo muito vivo, embora eu já tenha desistido da ideia beberrona de conservar tudo. As coisas mudam, as pessoas também. Me ligaram essa semana contando de um amigo do tempo de escola que faleceu num acidente. Essas coisas sem controle me entristecem ao passo que me fortalecem pra viver a vida real. Ando com a constante balança entre meu sonho de construir uma carreira longe de casa e perder o precioso tempo enquanto meus pais envelhecem. Essa balança cada vez mais pesa pela volta. Perdi mês passado o primeiro título grande do meu time em muitos anos. Ganhei mês passado a promoção da minha vida. Raízes no chão da alma vão consumindo minhas entranhas e me deixando em contradição.

Minha terra natal, minha gente querida. O amor da minha vida acredito que ainda esteja por lá, conheci ela na escola. Não existe sotaque britânico que faça eu parar de enxergar os verdes olhos dela na cuia o meu mate. Lembro que a erva está acabando e preciso pedir pros meus pais enviarem mais. Mas ora… Quase nem tenho tempo pra sentar e desfrutar de momentos como este! O trabalho tem consumido meu tempo, minha juventude parece estar se esvaindo. Da poesia sou prisoneiro. Me convenço de que vivo aqui fazendo o que gosto. Repenso que vivo longe de onde nasci, mas nunca esqueço que foi ali que recebi as primeiras inspirações pra escrever.

Dane-se, meu coração tem asas. Um dia volto pra casa e de lá não saio mais.

 

Paulinho Rahs

 

 

 

 

 

Publicidade