Amigo, entre a cerveja e a fumaça
me permita que aqui eu faça
um pequeno desabafo.
São coisinhas que eu abafo
na correria da rotina
Mas essa noite não termina
sem eu por isso pra fora.
E hoje, aqui, agora,
me parece oportuno,
na vida somos alunos,
você sabe, eu também sei.
Embora às vezes a gente ignore
e a arrogância aflore
nos fazendo acreditar
que temos todas as fórmulas
pra fazer a vida funcionar.
Mas não, não é desse jeito.
Nunca foi e por isso estamos aqui.
Bebendo, a nos divertir
e afogando os sentidos
de sabermos que nunca seremos
tudo que éramos pra ter sido
A minha história começa
bem parecida com a sua.
Jovem, de alma nua,
um natural sonhador
que viu todo o esplendor
no futuro para o mundo.
Não esqueço, nem por um segundo,
que a minha intenção
foi sempre, com o coração,
fazer tudo, o meu melhor.
Entregar algo para as pessoas,
melhorar tudo ao redor.
E assim eu comecei.
Botei a cara, sem medo
mas não demorou pra esse enredo
ficar um tanto quanto confuso.
Eu me tornei um intruso
na minha própria cidade.
Vi pessoas que confiei
rindo de mim pelas costas,
dizendo que eu só ‘fazia bosta.’
Me perdoe o linguajar.
Mas se isso eu tive que escutar,
não vai te doer ouvir.
Mesmo assim, em frente em segui.
Pois jurei que tinha uma missão
Ninguém me pegou pela mão,
ninguém me mostrou o caminho.
Eu me senti tão sozinho.
Um exército só um homem.
As lembranças me consomem.
Eu sabia que assim seria,
porém achei que poderia
dar a volta no destino.
O meu medo de menino
era me arrepender de não ter tentado.
Hoje o que tem me matado
é que tentei e não adiantou.
Eu fiz o melhor que pude.
Esse respeito tenho comigo.
Já quis voltar, meu amigo,
no tempo, igual a você.
Mas ao menos isso eu pude aprender:
naquela época eu não sabia.
Não sabia nada da vida.
Não sabia nada de mim.
Por isso que eu deixo assim:
sem culpa. Sem contrição.
Meu desabafo, meu irmão,
é quase que uma prece.
Eu aceito. Eu entendo. É algo que acontece.
Era pra tudo ter sido tão brilhante, tão surreal.
Eu pra eu ter sido um cara tão especial.
Era.
Se.
Variáveis tão distantes.
Por que SE tudo desse certo
eu nem estava aqui nesse instante.
Fui criticado, humilhado,
fui rejeitado na aldeia.
Descobri que a tribo tava cheia
de gente que não me queria.
Tentei meus sonhos todo dia.
Mudei a rota, me reinventei.
Mas os outros não dão segunda chance.
Essa verdade hoje eu sei.
Amigo, eu me arrependo
de a vida ter sido assim.
Veja: eu entendo que meu eu do passado
jamais teria outro fim.
Portanto o meu lamento
é um simples apelo ao divino.
Se não poderia ser diferente,
hoje eu condeno o destino.
Não que eu pessoalmente
seja seguidor do cretino
mas ele talvez seja real
muito mais do que eu imagino.
Me recusaram mesmo quando
eu fazia o meu Plano A.
Seguiram me rejeitando
e o que eu só conseguia era tentar.
O sucesso, a fama,
o prestígio
ficaram sempre pra depois.
E eu descobri que talvez
minha versão número dois
tenha feito outra história
numa outra dimensão.
Mas eu só fiz o melhor que pude.
Essa é a minha confissão.
Quem sabe eu superestimei
a minha contribuição.
Meu papel nesse tabuleiro
não foi de rei, foi peão.
Será mesmo? Eu te pergunto.
Amigo, quem tem culpa pra você?
Fui eu que tentei errado
ou tudo era pra acontecer?
No final, fiz tanta coisa.
Achei certo, me fez sentido.
Os anos foram passando
e eu me encontrei perdido.
Como pode que sonhar
seja algo tão dolorido!
E veja, nem faz meu tipo
fazer drama, me dar por vencido.
Logo eu, tão alto astral!
Que vejo o mundo colorido
Eu achei, meu amigo,
que pra fazer história eu tivesse nascido.
Mas a minha história passou
e hoje? Ah! hoje aqui eu estou
te falando sobre tudo que era pra ter sido.
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